segunda-feira, 9 de outubro de 2017

É justo que as mulheres se aposentem mais cedo?

MARCELO ABI-RAMIA CAETANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A questão acerca da aposentadoria das mulheres em condições mais benéficas que aquelas concedidas aos homens suscita acalorados debates com posições não somente técnicas, mas também com muito juízo de valor de cada lado.

Um fato é certo: as mulheres intensificaram sua participação no mercado de trabalho desde a segunda metade do século 20.

Há várias razões para isso. Mudanças culturais e jurídicas eliminaram restrições sem sentido no mundo contemporâneo: um dos maiores e mais antigos bancos do Brasil contratou sua primeira escriturária em 1969 e teve sua primeira gerente em 1984.

Avanços no planejamento familiar e a disseminação de métodos contraceptivos permitiram a redução do número de filhos e liberaram tempo para a mulher se dedicar ao mercado de trabalho.

Filhos estudam por mais tempo e se mantêm fora do mercado de trabalho até o início da vida adulta. Com isso, o custo de manter a família cresce e cria a necessidade de a mulher ter fonte de renda para o sustento da casa.

A tecnologia também colaborou: máquinas de lavar roupa, fornos micro-ondas, casas menores e outras parafernálias da vida moderna reduziram a necessidade de algumas horas nos afazeres domésticos e liberaram tempo para o trabalho fora de casa.

VIDA MAIS DURA

A inserção feminina no mercado de trabalho ocorreu, mas com limitações. Em relação aos homens, mulheres têm menor taxa de participação no mercado de trabalho, recebem salários mais baixos e ainda há a dupla jornada de trabalho. Quando voltam para a casa, ainda têm que se dedicar à família e ao lar.

Essas dificuldades levam algumas pessoas a defender formas de compensação para as mulheres por meio de tratamento previdenciário diferenciado. Já que as mulheres enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho, há de compensá-las por meio de uma aposentadoria em idade mais jovem.

A legislação brasileira incorpora essa ideia. Homens precisam de 35 anos de contribuição para se aposentar no INSS; mulheres, de 30.

No serviço público, que exige idade mínima, as mulheres podem se aposentar com cinco anos a menos de idade e tempo de contribuição que os homens.

O tratamento diferenciado e mais benéfico às mulheres também acontece nas aposentadorias por idade, para professores e para trabalhadores rurais. É uma prática comum na Previdência Social brasileira e que, suponho, muito dificilmente passará por alguma modificação no futuro próximo.

NO MUNDO

Em relação ao resto do mundo, há alguns países que não diferenciam as regras de acesso aos benefícios. Encontram-se nessa lista EUA, Canadá, Espanha e Suécia. Outros como Áustria e Suíça permitem às mulheres se aposentar mais jovens.

Há também aqueles que adotam estratégias mistas. A França não diferencia a idade mínima de aposentadoria, mas concede um menor tempo de contribuição às mulheres caso tenham filhos.

De todo modo, a tendência das reformas previdenciárias das últimas décadas é reduzir ou eliminar o diferencial a favor do sexo feminino. A Alemanha, por exemplo, mantém a diferenciação para as mulheres que nasceram antes de 1952. A Itália está em processo gradual de redução das diferenças até 2018, enquanto o Reino Unido eliminará a diferenciação neste mesmo ano.

Apesar de reconhecer os argumentos a favor da diferenciação, o contraponto que coloco é que problemas de mercado de trabalho devem ser resolvidos por meio de políticas laborais, e não previdenciárias. Afinal, o que a Previdência tem a ver com a discriminação de gênero?

Uma coisa é o reconhecimento de um mercado de trabalho mais precário para determinados estratos sociais; outra coisa é ver na Previdência uma forma de compensação para esses problemas.

Em primeiro lugar, é uma maneira ineficiente de tratar a questão. Se as mulheres enfrentam dupla jornada de trabalho, a forma eficiente de resolver o problema é por meio de mudanças culturais que tornem os homens mais ativos nos afazeres domésticos e por meio de boas creches e escolas que deixem as mães mais tranquilas com o cuidado dos filhos.

Não parece apropriada a ideia de que um problema de equidade do mercado de trabalho seja resolvido por uma saída antecipada deste mesmo mercado, mas, sim, por uma política efetiva de promoção de igualdade laboral entre homens e mulheres.

Alguém pode argumentar que mudanças culturais são difíceis de concretizar. São, mas não impossíveis. O leitor com mais de 40 anos deve se recordar que muitos consideravam os cintos de segurança como meros acessórios dos carros e que o cigarro reinava em propagandas, restaurantes, aviões e salas de aula das universidades.

Tentar resolver esse problema por meio da Previdência é passar à sociedade o seguinte recado: mulheres jovens na faixa dos seus 20 ou 30 anos, sabemos das suas dificuldades presentes no mercado de trabalho.

Esperem mais umas três décadas porque, quando estiverem com 50 ou 60 anos, as compensaremos por meio de uma aposentadoria em idades menores que as dos homens.

Visto de outro modo, tampouco se trata de uma solução transitória ou emergencial para um problema estrutural. Por exemplo, independentemente do posicionamento que alguém tenha em relação à política de cotas no ensino superior, elas procuram oferecer compensação imediata a grupos com dificuldade de inserção.

Não é esse o caso da aposentadoria diferenciada.

CUSTO CRESCENTE

Em segundo lugar, o custo para a Previdência dessa política é alto. Em 2013, a idade média da aposentadoria por tempo de contribuição foi de 55 anos para homens e 52 para mulheres. Entretanto, é uma realidade universal que as mulheres vivem mais que os homens. Para esse mesmo ano, o IBGE estimou que no Brasil homens aos 55 anos vivessem por mais 23,6; mulheres aos 52, por mais 30,2.

Na prática, são três anos a menos de contribuição e quase sete a mais de recebimento de benefício, o que torna ainda mais pesado o já alto custo da Previdência Social.

A opção por conceder uma aposentadoria especial para as mulheres é mais cômoda. Agrada ao eleitorado, joga para o futuro a questão da necessidade de financiamento, minimiza a necessidade de elevação dos gastos presentes com creches e ameniza a necessidade de enfrentar questões culturais relativas à divisão do trabalho por gênero.

Entretanto, não ataca o problema em sua raiz e cria um anestésico sentimento de compensação futura.

São raras as oportunidades em que se coloca para o público o debate acerca das aposentadorias para as mulheres em condições especiais.

Creio que continuarão a sê-lo no Brasil apesar da tendência internacional para redução das diferenças. É um tema politicamente inconveniente e há coisas mais prementes a ajustar na Previdência, como as pensões por morte, idade mínima e forma de reajuste das aposentadorias, mas esses são assuntos para outros debates.

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Por que a mulher deve se aposentar mais cedo do que o homem?
Revista EXAME
Por Luiza Belloni, do HuffPost 

Reforma da Previdência extingue a soma da idade com tempo de contribuição e iguala a idade mínima para homens e mulheres



Para especialistas, igualar a idade mínima no contexto atual no Brasil significaria um retrocesso nos direitos das mulheres (Marcello Casal Jr/ Agência Brasil/Agência Brasil)
A reforma da Previdência proposta pelo governo Temer tem gerado muitas críticas de especialistas da área. Uma delas que tem gerado polêmica é o fim da diferença de idade mínima para homens e mulheres se aposentarem.

Pelas regras atuais, a soma da idade e tempo de contribuição deve ser de 85 para mulheres e 95 para homens.
Se for se aposentar por idade, as mulheres precisam ter, no mínimo, 60 anos, e os homens 65.

A reforma extingue a soma da idade com tempo de contribuição e iguala a idade mínima para homens e mulheres.

A medida foi bem vista por parlamentares da base e, inclusive por mais da metade da população.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em julho deste ano revelou que 57% dos brasileiros acham que homens e mulheres deveriam se aposentar com a mesma idade.

E não há diferença entre entre os gêneros: 59% dos homens e 56% das mulheres concordam a proposta.

Mas, para especialistas, igualar a idade mínima no contexto atual no Brasil significaria um retrocesso nos direitos das mulheres.

“Hoje, se trata de maneira diferente casos diferenciados. Essas distinções não devem ser tratadas com igualdade, pois você gera ainda mais injustiça e aumenta o ‘gap’ de gênero”, afirma a socióloga e cientista política do Ibmec-RJ, Angela Fatorelli.

Antes de entrar no mérito do que é justo ou não, é preciso entender por que há a diferença hoje.

As mulheres se aposentam mais cedo atualmente por uma “compensação”, levando em consideração que elas trabalham mais que os homens, uma vez que elas agregam o trabalho doméstico ao emprego remunerado.

E, por mais que a última reforma da Previdência seja antiga e considerada “ultrapassada” (e uma reforma seja necessária para dar sustentabilidade ao sistema), a jornada dupla das mulheres brasileiras continua bem atual.

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais – Uma análise das condições de vida da população brasileira, divulgada no início de dezembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres trabalham cerca de cinco horas a mais que eles por semana.

E o pior: ganham cerca de 30% menos que os homens, uma vez que elas trabalham cerca de seis horas a menos por semana que os homens em sua ocupação remunerada.

Por outro lado, como dedicam duas vezes mais tempo que os homens para as atividades domésticas, o total de horas trabalhadas pelas mulheres é de, em média, 55,1 horas por semana, contra 50,1 horas deles.

Ainda segundo a pesquisa, na última década, os homens permaneceram com uma jornada de apenas 10 horas semanais com os afazeres domésticos — o que prova que aqui pouca coisa progrediu e, apesar dos avanços das mulheres no mundo corporativo nos últimos anos, ainda sobra para elas o cuidado da casa e dos filhos.

E foram esses pontos levantados pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), crítica da reforma.

“Nós queríamos ter o mesmo período de aposentadoria que os homens, se tivéssemos salários iguais, não 30% a menos, que não é o meu dado, é o dado oficial; se não tivéssemos a tripla jornada de trabalho, mas temos a tripla jornada de trabalho.”

“Não é o momento de promover a igualdade [na idade da aposentadoria]”, avalia o professor de Direito do Trabalho da FGV, Jorge Boucinhas. “Em algum momento, vai ter de acontecer.”

Para o professor, a reforma não leva em consideração uma questão cultural brasileira que ainda não foi superada. “Na hora que for, a mudança deve ocorrer de uma forma suave, até que consiga uma situação de igualdade, o que estamos longe de alcançar hoje.”

“O equívoco é promover a igualdade em um momento que ainda é desigual [para as mulheres].”

Apesar das mudanças que ocorreram nos últimos anos, inclusive o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, a professora do Ibmec-RJ Angela Fatorelli lembra que não se pode negar que a mulher continua trabalhando mesmo após se aposentar. “A diferença de idade seria uma compensação da jornada dupla e do cuidado com a família, que não se encerra com a aposentadoria.”

Na opinião da cientista política, uma questão que não foi pensada é o papel da avó nos afazeres domésticos e familiares — e o quanto a mudança pode impactar as próximas gerações.

“Eles [os governantes] se esquecem do papel da avó na criação dos netos. Quantas avós vocês conhecem que cuidam dos netos ou de crianças da família?”

Ela concorda que a idade de aposentadoria é igual em vários países, mas reitera que as avós nestas culturas são bem menos participativas na criação e educação das crianças do que no Brasil. “Você não pode esquecer desta figura. É uma realidade brasileira que não se leva em consideração. O governo vai acabar gerando um problema grande de insatisfação e insegurança.”

A professora avalia que a reforma da Previdência é importante e bem-vinda, pois leva em consideração a redução dos contribuintes e a estimativa de vida da população, mas pondera que tem que ter especificidades diferentes para cada caso. “Tem que discutir com a população e não como está acontecendo, fazendo tudo de forma atropelada.”

“Em um mundo ideal essas diferenças não precisariam existir. Fazendo uma analogia bem grosseira, é igual ter vagões de metrô apenas para mulheres. Eu queria usar um transporte público em que eu não me preocupasse com a roupa que estou usando ou com quem está do meu lado, mas isso ainda não é possível. É uma medida compensatória. Acredito que, com essas mudanças, teremos uma perda no que diz respeito à desigualdade social e à desigualdade de gênero.”

Possibilidade de mudança

A equipe econômica de Temer já está trabalhando com a possibilidade de reduzir de 65 para 62 anos a idade mínima para mulheres se aposentarem.

A mudança, segundo o jornal Folha de S. Paulo, é para prevenir a ideia de “vitória” entre os deputados que são contra a reforma e estudavam uma emenda na votação na Câmara.

A expectativa do governo é que a Câmara vote a proposta em plenário ainda no primeiro trimestre de 2017



MARCELO ABI-RAMIA CAETANO é economista do Ipea 

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